um espaçao pra dizer o que penso,textos q gosto...e que acho importantes,
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Meu amor independe do que me fazes.
Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra. “Amor é estado de graça e com amor não se paga”. Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que “amor com amor se paga”. O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo.
Rubem Alves
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Existem feridas para serem curadas...
Sabe aqui dentro ainda há muito de você, só que agora a dor não aperta e as lágrimas não escorrem mais pelo rosto, tudo porque eu não espero. Ainda existe fé que as coisas melhorem, ainda existem sonhos para se realizarem, mas não existe expectativa, não nas suas palavras.
Existem feridas para serem curadas, muitos pensamentos negativos para serem jogados pela janela e muitos perdões que ainda querem ser ditos. Só que dessa vez eu não vou pedir pra você ficar, eu só vou tentar tatuar dentro do seu coração tudo que há de mais belo em mim, porque quem sabe assim você não fica.
E foi tentando te esquecer, tentando te ter que eu fui feliz sem perceber, porque a gente é feliz quando desiste de sofrer e luta. E não importa o resultado final, porque aqui dentro deus dá sempre um motivo pra gente continuar.
(Thaisa Schelles)
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Cada escolha, uma renuncia!
Escolher algo nunca é fácil, desde coisas simples como: o que comer, que roupa usar, aonde ir, até as mais difíceis como: onde morar, que carreira seguir, com quem casar, etc.
Realmente não é nada fácil escolher!
Talvez isto se torne tão difícil, pelo simples e detalhe despercebido, de que invariavelmente, dizer sim a uma coisa, é dizer não para outra, escolher isto significa renunciar aquilo!
Não podemos pensar que só renunciamos algo, quando olhamos aquilo e dizemos: não, renunciamos muito mais coisas quando dizemos sim, do que quando dizemos não, o problema está quando apenas pensamos nos sim e estes dado muitas vezes de forma impensada e prematura, como se atravessássemos a rua sem olhar os dois lados e de fato fazemos isto muitas vezes na avenida da vida.
Toda escolha tem uma renuncia e se temos que escolher, se vamos escolher, porque não analisar o tamanho da renuncia? Se toda ação gera uma reação, porque só agir?
A empolgação e o glamour postos sobre o sim, geram muitas vezes um esquecimento do não, existem filhos abandonado, processando e até matando pais, por causa de um não, funcionários se demitindo, jovens se drogando, meninas se prostituindo, chefes maltratando, por causa de um não, pelo fato de se ter pensado que a vida era uma pergunta de uma resposta só!
É a era do sim, do tudo liberado, do: vamos façam o que te der na telha, ninguém é dono do seu nariz, da ilusória linha de chagada, do falso topo da pirâmide, aonde após muitos chegarem, descobrirem que renunciaram suas vidas por nada, ou melhor, por grana, por status, por uma noite, por um cargo, chegando a olhar pra trás e perceberem que nada disto vale sua vida!
Toda escolha trás uma renuncia, todo sim traz um não, todo não traz um sim, pois se dissermos um não na hora certa, podemos mudar muita coisa. Quando dizemos escolhemos uma noitada, estamos renunciando uma noite de sono, quando escolhemos uma profissão, estamos renunciando todas as outras, escolher viver desenfreada mente, como muito jovens o fazem, muitas vezes significa renunciar a vida, pois morrem em acidentes de carro, em brigas, em transações ilegais, por doenças comuns e até mesmo as sexualmente transmissíveis.
Por outro lado, jogadores renunciam a família e até o país, para seguirem a profissão, estudantes renunciam noites de sono, para estudarem matérias mais difíceis, músicos renunciam o tempo livre, para passá-lo repetindo por varias vezes um mesmo trecho, assim com dançarinos, atletas, atores, etc. Mas esta renuncia, está acarretando uma escolha, este não esta trazendo um sim, um sim para condições financeiras melhores, para uma profissão, para uma perfeição e excelência naquilo que se propôs a fazer.
Não temos costume de medirmos nossas escolhas, nossa balança está sempre tombada para o lado do sim, nosso pirão sempre está semi-pronto, a sardinha sempre está um pouco mais para cá, nossas escolhas estão sempre recheadas de emoção, escolhemos o que está a nosso alcance e o que não, o que é nosso e o que não, nossa moeda só tem cara, metemos a cara, quebramos a cara e perdemos a coroa, a profissão, a qualidade, a vida!
Antes de escolher, pense na renuncia, olhe para os dois lados, para a mão e a contramão, pense se vale a pena um sim no lugar de um não, se você é fortão para remar contra a maré, se você tem controle suficiente para se manter parado, se você é bonita o suficiente para permanecer vestida, se é bom líder enquanto chama a atenção de alguém, se você é funcionário padrão neste posto mesmo, se continua amigo do peito, não metendo o peito, se é malandro para os estudos!
Pensar não custa nada, mas não fazê-lo sempre sai caro, pois preço pode ser pago até mesmo com ávida!
Haverá horas em que renunciar será melhor que escolher, mas se tiver que escolher, deve estar pronto, pois toda escolha tem uma renuncia!
Luciano Pierre dos Santos
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Soneto do Amor Maior.
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo
Vinicius de Moraes
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
O Amor... (amei esse texto)
Semana passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A gente não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso lado. De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem se conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça de conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele chegou depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com manta que sinto ao lado dele. A gente não se beija nem nada, mas quando vai ver pegou na mão um do outro de tanto que se gosta e se cuida e se sabe. Já tivemos nossos tempos de transar e passar nervoso e aquela coisa toda de quem ama prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que nem sei explicar. Ele me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho engraçado quando ele fala "ah, enjoei, ela era meio sem assunto" e olha pra mim com saudade. Ele também ri quando eu digo "ah, ele não entendeu nada" e olho pra ele sabendo que ele também não entende, mas pelo menos não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase quinze anos. Somos pra sempre. Ele conta do filme que tá fazendo, eu do livro. Os mesmos há mil anos. Contar é sem pressa de acabar. Se ele me corta é como se a frase que eu fosse falar fosse mesmo dele. É um exibicionismo orgânico, como se meu silêncio pudesse continuar me vendendo como uma boa pessoa. São quinze anos. É isso. Ele me viu de cabelo amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo. Ele sempre comprou meus testes de gravidez, mesmo a suspeita nunca sendo nossa. Eu já fui bem bonita numa festa só porque ele queria me fazer de namorada peituda pra provocar a ex mulher. Minha maior tristeza é que todo novo amor que eu arrumo vem sempre com algum velho amor tão longo e bonito. E eu sofro porque com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo. E de sofrer assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito para esses amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único amor. O único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo. E ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre acabamos suspirando aliviados "alguém é bobo como eu, alguém tem esse humor" e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega pro filho e fala: sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra". E esse é meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que ficar, fica.
(Tati Bernardi)
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Só me ame .
Sou a emoção do perigo, desde que ele valha a pena.Sou sorriso tímido em algumas horas e gargalhadas escancaradas em outras, sou o gostinho de quero-mais-ainda. Sou uma piadinha boba bem contada. Sou de falar com Deus bem baixinho à noite, Sou um sorriso aberto de quem estava com saudade. Sou muitas amizades e amigos. Sou uma folha em branco pra desenhar e escrever o que tiver vontade. Sou de segurar as lágrimas nos olhos. Sou de calar pra não magoar, sou de deixar a poeira ficar bem baixinha pra depois conversar. Sou gentilezas, carinhos e mimos. Sou um olhar arrebatador, uma palavra sussurrada, sou um mistério a ser desvendado, sou complicada não me entenda,
Só me ame .
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
jamais nos amaríamos da mesma maneira. Sabia desde o início, que o meu amor seria sempre mais forte do que o seu
“Eu escutava cada palavra e sentia o corpo tremer: de medo, de desejo, de felicidade. Você me dizia palavras de paixão, e eu acreditava nelas. Mas ao mesmo tempo olhava nos seus olhos e sabia de tudo, descobria tudo. Olhava nos seus olhos e entendia que, por mais que viesse a me amar um dia, jamais nos amaríamos da mesma maneira. Sabia desde o início, que o meu amor seria sempre mais forte do que o seu, e com isso também que era grande o sofrimento que me aguardava. (...) Era uma alegria grande, imensa, gigantesca, mal cabia no meu corpo pequeno. Mas era uma alegria misturada com uma dor antecipada, como se eu previsse o nosso futuro e percebesse no seu olhar toda a felicidade e toda a tristeza que me aguardavam.”
(Tatiana Salem Levy )
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Uma história de amor: O Jardineir e a Fräulein
Menino, ele de longe olhava os pescadores nos seus barcos levados pelo vento. Pensava que o mar não tem fim. Pensava que os pescadores eram felizes porque não precisavam plantar peixes para colher depois. O mar era generoso: ele mesmo plantava os peixes que os pescadores só faziam colher com as suas redes. Tinha inveja dos pescadores. Ele era filho de agricultores. Tinha de plantar para colher. Diferente do mar, a terra tinha fim. Todos os pedaços de terra, os menores, os mais insignificantes, todos já estavam sendo cultivados. Os pescadores, se quisessem mais, bastava-lhes navegar mar a dentro. Mas os agricultores não podiam querer mais. A terra chegara ao fim. Quem quisesse mais terra para cultivar teria que sair da terra conhecida e ir em busca de outras terras, além do mar sem fim.
Ele já ouvira os mais velhos falando sobre isso - um país do outro lado do mar - tão longe que lá era noite quando no seu país era dia - país de gente de rostos diferentes, de comida diferente, de língua diferente, de religião diferente, de costumes diferentes. Tudo era diferente. Menos uma coisa: a terra era a mesma e os seus segredos, eles os conheciam.
E foi assim que chegou o dia em que ele, adolescente, seus irmãos e seus pais, entraram num navio que os levaria ao tal país - como era mesmo o seu nome? Buragiro... Era assim que eles, japoneses, conseguiam falar o nome Brasil...
No Brasil, o jovem japonês conseguiu trabalho na casa de uma família de alemães. Família rica, casa de muitos criados e criadas. Ele não falava português nem alemão. Mas não importava. Seu trabalho era cuidar da horta e do jardim. E a língua da terra e das plantas ele conhecia muito bem. A prova disso estava nos arbustos artisticamente podados segundo a inspiração milenar das bonsais, nos canteiros explodindo em flores, nas hortaliças que cresciam viçosas. E foi assim que, na sua fiel e silenciosa competência de jardineiro e hortelão, ele passou a ser amado pelos seus patrões.
Mas ninguém nem de longe suspeitava os sonhos que havia na alma do jardineiro. Quem não sabe pensa que jardineiro só sonha com terra, água e plantas. Mas os jardineiros têm também sonhos de amor. Jardins, sem amor, são belos e tristes. Mas quando o amor floresce o jardim fica perfumado e alegre. Pois esse era o segredo que morava na alma do jardineiro japonês: ele amava uma mulher, uma alemãzinha, serviçal também, todos a tratavam por Fräulein. Cabelos cor de cobre, como ele nunca havia visto no seu país, pele branca salpicada de pintas, olhos azuis, e um discreto sorriso na sua boca carnuda que se transformava em risada, quando longe dos patrões. Era ela que lhe trazia o prato de comida, sempre com aquele sorriso...
E ele sonhava. Sonhava que suas mãos acariciavam seus cabelos e seu rosto. Sonhava que seus braços a abraçavam e os braços dela o abraçavam. Sonhava que sua boca e sua língua bebiam amor naquela boca carnuda... E a sua imaginação fazia aquilo que faz a imaginação dos apaixonados: se imaginava num ritual de amor, delicado como a cerimônia do chá, tirando a roupa da Fräulein e beijando a sua pele... A imaginação de um jardineiro japonês apaixonado é igual à imaginação de todos os apaixonados...
Mas era apenas um sonho. Olhava para seu corpo atarracado, para sua roupa rude de jardineiro, para suas mãos sujas de terra, para seus dedos ásperos como pedras. A Fräulein pertencia a um outro mundo distante do seu mundo de jardineiro.
Vez por outra ele lhe oferecia uma flor quando ela lhe trazia a comida. Ela sorria aquele sorriso lindo de criança, agradecia, e voltava saltitando para a casa, com a flor na mão. Mas havia aquelas ocasiões em que ela tomava a flor e a levava ao seu nariz sardento para sentir o perfume. As pétalas da flor então roçavam os seus lábios. E o seu corpo de jardineiro estremecia, imaginando que a sua boca estava tocando os lábios dela.
Mas o seu amor nunca saiu da fantasia. Ninguém nunca soube.
Os anos passaram. Ele ficou velho. A Fräulein também envelheceu. Mas o amor não diminuiu. Para ele, era como se os anos não tivessem passado. Ela continuava a ser a meninota sardenta. O amor não satisfeito ignora a passagem do tempo. É eterno.
Chegou, finalmente, o momento inevitável: velho, ele não mais conseguia dar conta do seu trabalho. Seus patrões, que o amavam profundamente, pensaram que o melhor, talvez, fosse que ele passasse seus últimos anos num lar para japoneses idosos, uma grande área de 10 alqueires, bem cultivada, com pássaros, flores e um lago com carpas e tilápias. Ele concordou. Visitou o lar mas, por razões desconhecidas, não quis viver lá. Achou preferível viver com parentes, numa cidade do interior. Mas o fato é que os velhos são sempre uma perturbação na vida dos mais novos. São, na melhor das hipóteses, tolerados. E a sua velhice se encheu de tristeza.
Um dia, movido pela saudade, resolveu visitar a casa onde passara toda a sua vida e onde vivia a Fräulein. Mas aí lhe contaram que ela fora internada num lar para idosos alemães. Estava muito doente. Foi então visitá-la. Encontrou-a numa cama, muito fraca, incapaz de andar.
E então ele fez uma coisa louca que somente um apaixonado pode fazer: resolveu ficar com ela. Passou a dormir ao seu lado, no chão. Passou a cuidar dela como se cuida de uma criança. (Fico comovido pensando na sensibilidade dos diretores daquela casa que permitiram esse arranjo que não estava previsto nos regulamentos.)
A Fräulein estava muito fraca. Não conseguia mastigar os alimentos. Não conseguia comer. Aconteceu, então, um ato inacreditável de amor que os que não estão apaixonados jamais compreenderão: o jardineiro passou a mastigar a comida que ele então colocava na boca da agora ‘sua’ Fräulein. Os dirigentes da casa, acho que movidos pelo amor, fizeram de conta que nada viam.
Nunca ninguém viu, nunca ninguém me contou. Imaginei. Imaginei que quando estavam sozinhos, sem ninguém que os visse o jardineiro encostava seus lábios nos lábios da Fräulein, e assim lhe dava de comer... Assim o fazem os namorados apaixonados, lábios colados, brincando de passar a uva de uma boca para a outra...
E assim, ao final da vida, o jardineiro Hiroshi Okumura beijou sua Fräulein como nunca imaginara beijar... O amor se realiza de formas inesperadas.
Esta é uma história verdadeira. Aconteceu. Foi-me contada pela Tomiko, amiga que trabalha com idosos (aquela que me aconselhou a comprar um blazer vermelho). Ela conheceu pessoalmente o jardineiro.
No meu sítio eu planto árvores para meus amigos que morrem. Pois vou plantar uma cerejeira e uma camélia vermelha, uma ao lado da outra: o Jardineiro japonês e a sua Fräulein...
(Rubem Alves,Correio Popular, Caderno C, 07/01/2001)
O quarto do Mistério.
Passei boa parte de minha infância no sobradão do meu avô. Era um sobradão colonial, daqueles que se vêem nas fotos de Ouro Preto e São João dei Rei. A gente entrava por uma porta enorme. Nunca pude entender as razões para portas tão altas, tão largas, tão grossas, como se gigantes fossem os que moravam naquelas casas... A porta se abria para um longo e sombrio corredor, ao fim do qual havia uma escada de três lances.
Terminada a escada os caminhos se bifurcavam. À frente, outro longo corredor, que conduzia para dentro do sobrado. Ao lado, a sala de visitas, lugar nobre da casa onde se entrava por uma porta envidraçada, de vidros coloridos azuis, vermelhos, amarelos e verdes, importados. Dentro era o teto esculpido, os frisos dourados, os candelabros, os consolos de mármore com vasos de cristal, estatuetas e bibelôs, os espelhos enormes, o piano Pleyel, os sofás e as cadeiras de palhinha, símbolos de nobreza e riqueza que eram exibidos aos visitantes. Portas com sacadas de ferro fundido se abriam para a praça com seu jardim de palmeiras, tipuanas e ipês. Dali se via passar não somente a banda, como também enterros e lúgubres procissões da Semana Santa.
A sala de visitas era imperativa. O arranjo dos móveis não dava lugar a dúvidas. Os visitantes eram obrigados a se assentar nos lugares certos e a ver as coisas determinadas. Não havia ali lugar para imprevistos. Tudo estava em ordem. Cada coisa no seu lugar.
O corredor levava para dentro da casa onde só eram admitidas pessoas íntimas. Uma ampla sala de jantar, com oito janelas envidraçadas se abrindo para o poente e uma outra janela solitária, que se abria para o sul. As janelas eram protegidas pela sombra de uma velha trepadeira que, à noite, se transformava em passarela de gambás.
E havia os quartos enormes, em fila. Era preciso atravessar o primeiro para ir ao segundo, e pelo primeiro e o segundo se se desejava ir ao terceiro.
As noites eram assombradas, regidas pelo carrilhão que batia, indiferente e sem pressa, os quartos de hora - informação inútil que só servia para tornar a insônia ainda mais torturante.
Era um fascínio andar por aqueles quartos, salas, corredores, escadas. Mas o que me fascinava era um quarto proibido, trancado o tempo todo, onde ninguém entrava. Em outros tempos, quando a casa estivera cheia de filhos e de empregadas, todos os quartos eram quartos normais, simplesmente. Mas aconteceu o que sempre acontece: os filhos se casaram, os tempos de vacas magras chegaram, foram-se as empregadas, morreram os pais, só ficaram três filhas solteironas. Sem uso, aquele quarto foi transformado em depósito de coisas velhas, onde não entrava nem vassoura nem espanador, porque não era preciso.
Era proibido entrar nele e a chave enorme ficava escondida. Eu compreendo a proibição. Para as tias o quartão era o lugar das coisas feias, da poeira que se acumulava, das teias de aranha. Menino não devia brincar num lugar como aquele.
Mas para mim era o quartão do mistério. Se não houvesse mistério, a chave não ficaria escondida nem haveria a proibição de entrar. O quarto proibido é sempre aquele em que a gente quer entrar. A mulher do Barba Azul não se contentou com os 99 quartos e as 99 chaves: foi logo para o centésimo quarto com a centésima chave, o único quarto onde ela não tinha permissão para entrar. Assim somos nós, seres fascinados pelo mistério e pelo proibido. A razão para esse gosto eu não entendo, mas sei que é com ele que a alma humana é feita.
Pois eu roubava a chave e, silenciosamente, entrava no quartão do mistério e me trancava lá dentro. Pelo silêncio as tias imaginavam que eu deveria estar longe, no jardim ou na rua. Mal sabiam...
O quartão do mistério era um lugar encantado. Até mesmo aquilo que as tias consideravam horror ajudava a compor a cena: a poeira acumulada sobre os móveis, as teias de aranha, o cheiro de mofo - tudo dizia que ali o tempo havia parado. O que era confirmado por um enorme relógio redondo, dependurado na parede: ao contrário do carrilhão da varanda, que em Minas é aquela sala de jantar imensa, que tocava a cada quarto de hora, o relojão redondo estava parado desde sempre.
Tudo era mágico. Os objetos emergiam de um mundo de sonhos. As duas cítaras, com incrustações de madrepérola: por quanto tempo teriam estado naquele limbo de silêncio? E as paletas de pintura? Estavam cobertas com tinta dura. Qual teria sido o último toque do pincel, antes da morte? A interrupção devia ter sido repentina, pois as bisnagas de tinta endurecida ainda estavam pela metade. Já não serviam para nada, mas ainda se podia sentir o seu perfume. Um gramofone, discos velhos, revistas maravilhosas, canastras que haviam cruzado o oceano, bolsas, óculos Trotzki, instrumentos de medicina que não mais se usavam, álbuns de retratos amarelados de homens de colarinho engomado e mulheres de anquinhas.
Acho que meu fascínio pelo quarto do mistério se deveu ao fato de que, por dentro, eu sou como ele. Minha alma é um quarto onde os objetos mais estranhos estão colocados, um ao lado do outro, sem ordem, sem nenhuma intenção de fazer sentido. Por oposição à sala, onde cada objeto está colocado numa ordem precisa em relação aos outros, no quartão do mistério não há ordem, não há arranjo: cada objeto é um universo completo, não depende dos outros. E está explicada a razão para a minha profissão de psicanalista: é que cada pessoa, com sua sala de visitas limpa e ordenada, aberta à visitação geral, tem um fascinante quarto de mistério onde só se penetra roubando a chave. Minha profissão é roubar chaves... E até mandei gravar em madeira as palavras de um verso de Drummond: "Trouxeste a chave?"
Alguns analistas há que pensam como as minhas tias: acham que o quarto proibido está cheio de coisas terríveis, restos de naufrágios, corpos esquartejados detritos, excrementos, fedores. E é isso que encontram, pois a gente só encontra o que está buscando. Mas, para mim, menino naquele lugar proibido, as coisas terríveis são apenas molduras para coisas encantadas, imobilizadas em sono, fora do tempo, como a Bela Adormecida, em meio ao pó, às teias de aranha, às heras e plantas selvagens, à espera de alguém que dará o beijo que quebrará o feitiço...
Assim é esse quarto da minha casa. Nele cabe tudo: psicanálise, poesia, idéias em gestação. E poderei mesmo incluir coisas que outras pessoas me enviarem. Como o "Quarto do mistério" do sobrado do meu avô, não são todos que gostarão de ficar nele. Só os amigos...
(Rubem Alves)
Mesmo q eu ame...
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